Congresso em Montevideo 2023 ( CLAPA )

Em Outubro 2023 apresentou no IX congresso de Clapa ( Comité Latinoamericano de Psicología Analítica ) o paper “ Unus Mundus y Amazonia . Sombra Colectiva y Resistencia como Processo de Individuación“.

Introdução:

O conceito de “Unus Mundus” é um dos imperativos psicológicos,políticos, filosóficos e culturais mais importantes na atual etapa de transiçãoque a humanidade está enfrentando. Cada vez mais pessoas começam acompreender, a sentir-se responsáveis e a ter necessidade de mover-se deuma posição passiva e reagir a diferentes questões associadas à atual criseexistencial. As manifestações globais em prol do clima são um exemplo. Aatual crise é caracterizada por uma profunda atitude individualista enegacionista a respeito dos problemas que a humanidade enfrenta. Vemoscada vez mais a separação, tensão, projeção e a rejeição.

Nos últimos séculos a hiper exploração do planeta está levando aocolapso de diversos biomas e dentre os que vêm sofrendo nesse contextotemos a Amazônia, seus rios, florestas e povos. Utilizaremos como exemplopara descrever este aspecto da realidade o efeito da construção das UsinasHidroelétricas no Rio Madeira, concluída em 2011, na cidade de Porto Velho naAmazônia brasileira. Trata-se da comunidade ribeirinha de Vila do Teotônio, aqual situava-se às margens do Rio Madeira, ao lado de uma potente corredeiradenominada Cachoeira do Teotônio. A vila teve seus primórdios comopovoamento em 1759, estabelecendo várias formas de ocupação por diferentespopulações e após 1945, se destacou como uma das ocupações do ribeirinhoamazônico resultado da derrocada do segundo ciclo de exploração do látexamazônico, quando um grande contingente de trabalhadores que haviam seinstalado na região da bacia do Rio Madeira para trabalhar na extração daborracha. É importante destacar que muitos desses trabalhadores estavam emcondições análogas ao trabalho escravo. Com o fim da exploração da borracha amazônica pelo mercado internacional, esses trabalhadores permaneceram naregião e ali continuaram sua história de maneira autônoma e foramencontrando uma forma de existir utilizando os recursos da floresta semdestruí-la. Essas pessoas ocuparam também a Vila de Teotônio, fazendo dolocal sua morada, ali se constituíram famílias, vizinhanças, afetos, uma relaçãocoletiva e identitária ligada à floresta e ao rio, onde tinham na pesca artesanalsua principal forma de sustento.

A construção da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio levou a inundaçãoda Vila de Teotônio, inundando consigo todas as histórias, formas de existir eafetos que foram criadas naquele local, violentando milhares de ribeirinhos, osforçando a buscar novas formas de existir e habitar, inclusive os expulsando dafloresta. O processo que ocorre com o ribeirinho não é isolado, ele estáconectado a uma cadeia global, uma dinâmica psicológica a qual levou aviolência sofrida pelos vários povos tradicionais da Amazônia.

Jung viu a natureza e o ambiente que envolve cada um de nós comouma matriz viva de significado potencialmente sincrônico, capaz de iluminar aesfera humana. A crise atual é a sombra patológica do “Unus Mundus”. É oparadoxo que nos confronta com a nossa desconexão, desconsideração e faltade compreensão sobre a interconectividade de toda a vida.

O que nos impede de olhar para o planeta como uma entidade vivaresultado de processos individuais e coletivos? Como é a dinâmica dessasombra coletiva que atualmente está condicionando a psique coletiva nadireção da destruição do planeta?

Quando pensamos na sombra coletiva e em destruição não podemosdeixar de lembrar de um importante, traumático e marcante exemplo histórico;o do nazismo alemão no início do século XX. Essa experiência mostra comofoi possível, em um contexto econômico e social extremamente crítico, que oefeito da derrota na primeira grande guerra e o consequente sentimento dehumilhação do povo alemão despertasse o arquétipo de Wotan, como umvulcão adormecido (Jung, 2001, par. 373).No parágrafo 386 de Civilização em Transição, Jung (2001) fala de queWotan se expressou no contexto do nazismo na Alemanha através de ummecanismo de possessão. Havia um fenômeno de desconexão, dissociação,regressão, possessão e renúncia a qualquer iniciativa individual e sujeição aum grande pai. Uma rendição a um líder único e absoluto. Uma perda completada intimidade e da individualidade. O povo foi inconscientemente possuído eguiado a atos de destruição.

Nancy Fraser (2022) comenta que o Uroburo, símbolo alquímico depoder que se consome e regenera, pode muito bem representar o capitalismocontemporâneo. Fraser, elabora a hipótese de que a atual versão docapitalismo contemporâneo possui a capacidade de crescer fora de qualquerproporção através da prática autofágica dos próprios elementos que servem àsua sobrevivência. Atua como predador diante das riquezas da natureza,sobretudo, sem prever sua reintegração e realiza um trabalho de exploração eexpropriação em detrimento das pessoas economicamente menos favorecidas.Apesar desta contínua atividade destrutiva, o capitalismo consegue progredir ese regenerar, desafiando toda a lógica.

Para Fraser o capitalismo é o sistema ao qual devemos a crise globalatual. O que enfrentamos, não é apenas uma crise de desigualdadedesenfreada e trabalho precário mal remunerado. Não é simplesmente umacrise ecológica na qual um planeta aquecido produz pragas letais, nemsomente uma crise política. É algo pior. Trata-se de uma crise geral de toda aordem social em que todas essas calamidades convergem, exacerbando-semutuamente e ameaçando nos engolir inteiros. Estamos possuídos novamente,como exemplifica Jung, pelo arquétipo da destruição como no período donazismo, mas em outro tempo, dimensão e contexto. Estamos sob o efeito deuma massiva campanha de marketing, dirigida pelas grandes corporações, quefazem e desfazem governos, expressão de um capitalismo predatório, que nosafasta do mundo real ao qual fazemos parte e nos dirige ao abismo.

Quando olhamos o funcionamento das grandes corporações, querepresentam o coração do sistema capitalista, percebemos claramente comoempregados e clientes, em forma direta e indireta, perdem completamente aidentidade e a capacidade de avaliar e decidir. Os indivíduos que constelam asgrandes corporações terminam possuídos pela narrativa dos líderes. Osobjetivos dos indivíduos que servem ao sistema se transformam em funcionaisao mesmo, em um claro processo de submissão e perda de identidade,autenticidade e iniciativa. Encontramos também na estrutura e funcionamentodas grandes corporações, rituais em que a narrativa utilizada é transmitidagerando uma nova versão de possessão que devora, como Saturno com seuspróprios filhos. Os indivíduos terminam se desconectando do próprio Selfdiante da expressão coletiva do sistema capitalista, perdem a própriaidentidade e vivem um processo regressivo que leva a um estado narcisista ede entrega incondicional aos líderes que articulam e guiam as grandescorporações.

O aumento de patologias clínicas de indivíduos relacionados direta ouindiretamente nas grandes corporações é significativo. Mas principalmenteocorre um vazio espiritual, uma falta de sentido e de perspectiva.

Com relação a crise da sociedade contemporânea, comenta Barcelos(2019) que o que ocorre não é a simples ocupação humana que leva a tragédiaecológica a qual estamos diante, mas sim a dominância do capitalismo comoforma de produção que avança nos sistemas ecológicos terrestres devastando-os. Por conta disso estamos diante de um momento no mundo que podemoschamar de capitaloceno. As mudanças provocadas pela alimentação canibal docapitalismo são tremendas a ponto de podermos ver a sua dimensão noperíodo geológico do planeta.

Se considerarmos o capitalismo como o mecanismo que nos leva emdireção ao caos e a destruição e representa hoje o arquétipo da desordem;onde residem os germes que podem frutificar a ordem? E quais poderiam seras bases de uma nova ordem? Qual seria a dinâmica da reorganização,necessária e urgente? E o que poderia favorecer a conexão com a natureza eo cosmos? O Uroburo simboliza o fim, mas também o início. Seria aresistência ao sistema capitalista neoliberal uma experiência de individuaçãono atual contexto social e econômico contemporâneo? Seria esse o caminhopara frear o canibalismo de Saturno e liberar as divindades olímpicas e criaruma nova ordenação coletiva.

 

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